25 abr 2020
Conceição Calhau e Jaime C. Branco
NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa
Durante décadas, a vitamina D foi reconhecida como um elemento-chave no controlo do metabolismo ósseo. Atualmente, a importância da vitamina D vai muito além disto. Quer presente na alimentação quer fotossintetizada através da pele, a vitamina D assume no organismo forma ativa: uma hormona. Sabe-se, hoje, que tem funções muito relevantes, com efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes, antimicrobianos, designadamente na hipertensão, na diabetes, no cancro. Mais importante ainda, existe evidência científica sobre o efeito protetor relativamente a complicações respiratórias virais. Curiosamente, há precisamente um ano, foi publicado, numa revista científica internacional, um conjunto de resultados sobre os níveis de vitamina D nas diferentes regiões do mundo. E isso ajuda nesta reflexão.
Veja-se o exemplo da Europa: nos países do mediterrânio, Espanha, Itália, Grécia e Portugal, a percentagem de população com deficiência de vitamina D é superior à dos países do Norte. Apesar de latitudes maiores e menor incidência do sol, os países do norte da Europa, tipicamente, fazem suplementação de vitamina D. Já nos países do mediterrânio, ou por tradicionalmente não fazerem suplementação e/ou por razões genéticas, a suscetibilidade para a deficiência é maior.
Com a chegada à Europa da COVID-19, ficou muito claro que a severidade da doença era só para alguns. A vulnerabilidade não é igual para todos. Apenas alguns indivíduos, os chamados grupos de risco, como doentes hipertensos, obesos ou diabéticos, são sintomáticos e com grande probabilidade de um cursar da doença com pior desfecho.
Mais, reconhecemos que os países mediterrânicos, como Espanha e Itália, estão a viver um cenário COVID-19 dramático. Situação diferente é vivida, por exemplo, na Finlândia ou na Dinamarca. Avaliando a severidade dos doentes, fazendo a razão ‘número de doentes severos’ : ‘número total de doentes por milhão de população’, em Espanha, é de 1,9 e em Itália de 1,1. Se olharmos para a Finlândia, o valor é francamente mais baixo, 0,13, tal como na Dinamarca, 0,07. Relativamente aos níveis de vitamina D, a prevalência de indivíduos com deficiência severa varia entre 0,4 e 8,4% nos países do norte da Europa e entre 4,6 e 30,7% nos países do sul. Num estudo, recentemente publicado, que estimou a prevalência e os fatores de risco para a deficiência em Vitamina D na população nacional, verificou-se que 60% dos portugueses adultos apresentavam algum grau de deficiência. Os preditores de risco que se revelaram mais importantes foram ser mulher e ter idade igual ou superior a 75 anos, obesidade e consumo atual de tabaco. Também as variações sazonais (níveis sanguíneos mais baixos no Inverno e Primavera) e geográficas (deficiência mais frequente nos Açores e Norte e Centro do Continente e menos frequente no Algarve, Alentejo e Madeira) interferem com os níveis de Vitamina D.
Há poucos dias, investigadores da Universidade de Turim comunicaram existir uma deficiência severa de vitamina D em doentes COVID-19. Será que ser obeso, hipertenso ou diabético representa um maior risco para a severidade da doença, tal como ser idoso? Os factos mostram que sim. Mais, muitos destes indivíduos de risco são os que tomam medicamentos que interferem com a síntese de vitamina D, como estatinas ou glicocorticóides, e não tomam qualquer suplementação. Será que é para aqui que devemos também direcionar a nossa atenção científica? Sim, por isso, consideramos importante estudar os níveis de vitamina D em doentes Covid-19, a presença de alterações em genes relacionados com o metabolismo da vitamina D. E em diferentes grupos de doentes, com sintomas ligeiros, moderados e severos. Estamos já a fazê-lo nos hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e de São João, no Porto. Veremos se há coincidências.
* Artigo publicado no Expresso
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