COVID-19: do laboratório médico ao laboratório sociológico

5 mai 2020

Helena Serra
Professora Associada com Agregação da NOVA FCSH e Diretora do CICS.NOVA


A nível mundial, a vida de todos os cidadãos está a ser profundamente alterada pela pandemia COVID-19. Os cientistas sociais têm vindo a demonstrar que não se trata apenas de uma crise sanitária, mas também de uma crise social e política que deve ser encarada como um momento de ruptura que implicará profundas alterações nas nossas sociedades à escala global.

A complexidade do fenómeno, nas suas mais diversas vertentes, exige uma resposta interdisciplinar que possibilite uma análise critica e perspectivas de diferentes áreas do conhecimento, que promovam um diálogo frutífero entre a comunidades científicas e que produza contributos efectivos para lidar com os actuais desafios colocados pela pandemia, contribuindo decisivamente para a construção informada de futuros alternativos.

A actual pandemia expôs de forma inquestionável falhas na confiança entre pessoas, países, cidadãos e governos, forçando-nos a colocar questões sobre nós próprios, os nossos relacionamentos sociais e a vida em geral. Não se trata apenas de uma crise de saúde pública, ambiental ou mesmo económica. O que estamos a testemunhar é um momento de verdade sobre uma crise da modernidade tardia e o seu sistema socio-económico numa escala ampla e abrangente. Nada ficará como antes depois de regressarmos desta crise e as ciências sociais têm certamente responsabilidades acrescidas, a de simultaneamente analisar e envolver-se activamente na abordagem destas novas realidades. No campo da análise sociológica, relevo os compromissos imediatos que parecem essenciais: escrutinar as origens sociais e a magnitude dos impactos da COVID 19, por forma a compreender em profundidade como a curva ascendente pode ser controlada e assim agir com eficácia sobre as consequências do distanciamento social nas suas mais variadas vertentes, a começar pelo aumento exponencial do desemprego.

A actual pandemia deixou muito claro de que forma o mundo está interconectado. A metáfora da aldeia global é agora uma realidade. Porém, é imprescindível gerar maior solidariedade a nível global, por outras palavras, uma globalização humanista. A COVID-19 trouxe de volta a ciência ao espaço público, mesmo em países onde os ímpetos populistas a procuram deslegitimar. Cientistas das mais variadas áreas do conhecimento apresentam dados concretos: a pandemia progride diariamente dizimando milhares de vidas à escala global. Também os cientistas sociais apresentam evidencias inquestionáveis: o “novo coronavírus” infecta qualquer um de nós, mas somos profundamente desiguais quando confrontados com ele. No actual contexto, debater as políticas de saúde e as desigualdades sociais é tão ou mais importantes quanto discutir sobre a forma como os corpos reagem a um vírus com consequências tão mortais. Os contributos das ciências sociais para lidar com a pandemia têm sido tão importantes quanto, e de muitas maneiras complementares, a das ciências biomédicas. Não apenas são necessários laboratórios médicos, mas também laboratórios sociológicos.

*A autora escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico

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