10 mai 2020
João Amaro de Matos
Vice-Reitor da Universidade NOVA de Lisboa
Desembarquei no Brasil com 14 anos, idade difícil para mudar de amigos e sotaque. O meu pai, pedagógico, explicou-me que o que diferencia o homem dos animais é a capacidade de adaptação. Estranhei —sempre tinha pensado que fosse a inteligência. Depois compreendi a lição: adaptar implica inteligência.
Nesta pandemia a inteligência de cada um é necessária para nos adaptarmos coletivamente. A adaptação dependerá do conhecimento disponível, e é neste contexto que as universidades, centros de diálogo entre áreas de conhecimento, se tornam um bem público indispensável.
A universidade gera conhecimento e usa-o para educar, tornando-se inclusiva nessa missão. A motivação é a dúvida sobre o que se conhece. O método é construir sobre a ciência disponível, adaptando-a com rigor e inovação. A criação acadêmica baseia-se no uso do bom senso levado ao limite na análise do conhecimento. E é por isso que hoje, mais do que nunca, esse bom senso é importante como contraponto às redes sociais amplificadoras de um senso comum formado de equivocadas certezas e opiniões manipuladas.
A diferença entre bom senso e senso comum destaca as instituições acadêmicas e o poder do conhecimento nestes tempos. Um poder a ser gerido com responsabilidade institucional, alinhando objetivos acadêmicos e eliminando conflitos de interesse. Disso depende a credibilidade do conhecimento científico, chancelado e verificado por pares, único contraponto à embriaguez de opiniões que vai invadindo páginas de internet e telas de televisão.
As universidades são caracterizadas pela credibilidade e capacidade inovadora. A credibilidade baseia-se na antiguidade da academia, na autonomia e na qualidade do conhecimento produzido. A capacidade de inovar vem do impacto social —por vezes involuntário— refletido na redução da pobreza, das doenças, das guerras e da maior produção de alimentos. Este balanço, expresso no lema da Universidade de Heidelberg —“600 anos de tradição no futuro”—, ressoa hoje: uma sociedade que não financie as suas universidades nem se beneficie do conhecimento revela-se uma sociedade sem futuro.
A crise veio mostrar a força da ciência na implementação de medidas de saúde pública, na análise do impacto econômico e social desta crise, na evolução do tratamento clínico da doença, na pesquisa de vacinas ou medicamentos, no desenvolvimento digital de novas formas de trabalho. Nenhuma das consequências desta crise pode ser discutida de ânimo leve.
Não se trata de ter ou ouvir opiniões pessoais, muitas vezes disfarçados de falso conhecimento científico, mesmo vindo de doutores. Trata-se, sim, de partilhar com governos o conhecimento disponível e fundamentado para formular as melhores políticas públicas, de usar a universidade como espaço privilegiado para o diálogo entre cientistas conscientes e autoridades responsáveis.
Para nos adaptarmos a esta dramática crise da Covid-19, a única resposta socialmente viável é confiar na “intelligentsia”. Lição de pai não se esquece.
* Artigo publicado na Folha de S.Paulo