12 mai 2020
Jaime C. Branco
Médico Reumatologista
Diretor da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa
No dia 10 de março, por determinação do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), foi suspenso o ensino presencial da Medicina. O exemplo, pioneiro no ensino superior, foi seguido por outras faculdades, escolas e institutos, até ao encerramento global do ensino, com o declarar do Estado de Emergência.
A decisão do CEMP foi, por isso, visionária e exemplar, mas também dolorosa e penalizadora. Sabíamos, os diretores das faculdades de Medicina que constituem o CEMP, que a saúde e segurança dos alunos, docentes, investigadores e restantes funcionários académicos, assim como dos doentes e de todos os profissionais de saúde que trabalham nos hospitais e cuidados de saúde primários, era o bem maior a preservar e defender.
Mas antecipávamos também que aquela determinação, considerando a dimensão e gravidade da ameaça que pretendia combater, não teria regresso antes da conclusão do ano letivo em curso e que, por isso, comprometeria significativamente o ensino prático e, sobretudo, o de natureza clínica.
As aulas práticas laboratoriais e com simuladores, pela necessária aglomeração de alunos e docentes em volta dos focos experimentais ou de simulação, e as aulas práticas e teórico-práticas de índole clínica, que reúnem os estudantes e os professores à volta de doentes, foram particularmente prejudicadas pelas circunstâncias que vivemos.
As Escolas Médicas Portuguesas converteram, com grande rapidez e sucesso, as aulas presenciais em ensino remoto. Mas não podemos substituir o que é insubstituível. E, apesar de muito trabalho, criatividade e inovação desenvolvidos, as aulas práticas laboratoriais e clínicas não são cumotáveis para ensino à distância. É evidente que existem modelos de simulação, plataformas de ensino virtual, demonstrações semiológicas informatizadas, programas temáticos audiovisuais e outros meios eletrónicos de ensino e treino clínicos. Mas, pura e simplesmente, não é a mesma coisa.
A aprendizagem da Medicina, como de todos os saberes, baseia-se no conhecimento e estudo teórico, mas diferencia-se das outras ciências pelo imprescindível treino clínico baseado na prática dos cuidados, da diligência, do zelo e da responsabilidade para com os doentes e no exemplo da palavra, do gesto, do toque e do procedimento do(s) mestre(s).
O Ato Médico assenta na sólida confiança da Relação Médico-Doente, que é atestado na segurança do verbo, no jeito da atitude, no afeto da atenção e na preocupação do estudo. Esta situação prejudicou, cá como em todo o mundo, o ensino médico de “apenas” uma porção deste segundo semestre, mas vem já aí um novo ano letivo.
Não é previsível que esta profunda alteração da forma como nos habituamos a viver e comportar, a divertir e socializar, a trabalhar e estudar se possa modificar nos próximos largos meses. Há, assim, que definir, desde já, os vários cenários possíveis para este próximo ano de aulas.
Esses panoramas, a sua eficiência e sucesso dependem da evolução da pandemia, das determinações das Autoridades de Saúde, da organização dos Serviços de Saúde (primários e hospitalares), da capacidade de adaptação de alunos e professores, da resiliência das estruturas escolares e da imaginação de todos os intervenientes. Sem nunca esquecer o inigualável papel da palavra e do gesto no ensino da Medicina.
*Artigo publicado no Diário de Notícias