Vulnerabilidade das Pessoas Idosas com Doença Aguda. Há Particularidades na COVID-19?

2 jun 2020

Amália Botelho1,2,a, Bruno Maurício1,b, Cátia Santos1,c, César Magro1,d, Isabel Pulido Valente1,2,a, Miguel Marques Ferreira1,2,b

1 – Nova Medical School (NMS) UC do MIM “O Doente Idoso”; 2 – Comprehensive Health Research Centre (CHRC)
a – Medicina Interna; b – Medicina Geral e Familiar; c – Psiquiatria; d – Fisiatria

1. Vulnerabilidades das pessoas idosas com doença aguda
A vulnerabilidade das pessoas idosas perante doença aguda deve-se a uma variedade de factores, pelo que consideramos indispensável a sua valorização na actuação clínica. Analisamos, de seguida, determinados factores pessoais que contribuem para essa vulnerabilização.

• Em relação à idade, há que ter em conta que com o seu avanço há abrandamento metabólico e diminuição das reservas do organismo, assim como dos mecanismos de controlo e de defesa. O resultado do efeito biológico do avanço em idade é uma menor capacidade de resposta a agressões, entre elas, as doenças agudas.
• Quanto ao sexo, diferenças no comportamento de género têm desfavorecido a saúde nos homens, em parte devido a uma certa falta de procura de acompanhamento clínico e tendência para hábitos de vida com efeitos negativos. Esses comportamentos poderão estar associados a situações de doença crónica, com compromisso não é conhecido pelos próprios, vulnerabilizando
os homens se surge doença aguda.
• A menor resistência biológica associada à idade tem sido estudada como o conceito de fragilidade. Verificou-se que a fragilidade é um factor independente para resultados negativos em saúde e que a identificação da sua presença permite evidenciar vulnerabilidades e monitorizar resultados terapêuticos.
• Associadas ao processo degenerativo de envelhecimento surgem doenças de evolução crónica, com frequência duas ou mais, situação que designamos como multimorbilidade. São comuns doenças músculo-esqueléticas, como a osteoartrose e a osteoporose; doenças metabólicas e endócrinas, como a diabetes mellitus, o hipotiroidismo e a desnutrição; doenças cardiovasculares, como a hipertensão arterial, a doença coronária e cerebrovascular; doenças neurodegenerativas, como a demência, o parkinsonismo; doenças psiquiátricas, como a depressão e a ansiedade; ou doenças imunológicas, como neoplasias e doenças autoimunes; entre outras. A multimorbilidade tem relação direta com a fragilidade e a mortalidade, pelo que em situação de sobreposição com doença aguda aumenta a vulnerabilidade da pessoa.
• Em relação aos tratamentos prolongados que são necessários, estes comportam com frequência um número considerável de medicamentos, ou polimedicação. Os regimes de tratamento, tanto o tratamento regular como o interposto perante uma doença aguda, requerem a vigilância de possíveis interacções entre medicamentos, assim como de contraindicações dos que não devem
ser receitados a pessoas idosas ou em certas doenças, por risco de efeitos indesejáveis potencialmente graves.
• Perante uma doença aguda em pessoas idosas, é muito possível que as suas manifestações sejam mais pobres ou atípicas, quando comparadas com pessoas adultas. São exemplo de manifestações atípicas sintomas não relacionados directamente com os órgãos em sofrimento, como fraqueza, confusão mental, ingestão alimentar reduzida ou recusa alimentar, tonturas, entre outras. Perante doença aguda sem ou com poucas manifestações, os diagnósticos são dificultados e pode aumentar a morbilidade aguda e a subjacente, bem como a mortalidade.
• A presença de dependência ou incapacidade em uma ou mais actividades do quotidiano, com necessidade de recurso a terceiros para a sua realização, sejam autocuidados ou actividades de autossuficiência para se viver sozinho, está associada a doenças e a lesões com sequelas. Por comprometerem a participação natural e revelarem vulnerabilidades, é vantajosa a pesquisa por rotina de dificuldades na realização das actividades diárias.
• A ocorrência de hábitos inadequados é factor prevalente e pejorativo, que prejudica o equilíbrio metabólico e as defesas orgânicas, e poderá sinalizar alterações de saúde agudas ou crónicas. São importantes dados sobre alimentação, exercício físico, consumo regular de tabaco, álcool, e outras substâncias psicoactivas, ou perturbação do sono. Dada a sua origem multifactorial, os diversos factores envolvidos nas causas e consequências de hábitos nefastos deverão ser pesquisados e revertidos, se/quando possível.
• Os factores de contexto social têm impacto relevante na saúde. Entre eles, realçamos que o isolamento social condiciona precaridade na vigilância natural do curso de vida, a pouca informação, ou dificuldade em compreendê-la, dificulta um percurso com condutas esclarecidas e saudáveis, e que dificuldades económicas limitam aquisições necessárias, como as relacionadas
com saúde e alimentação, assim como escolhas importantes para uma vida com sentido. Os factores de natureza social são de valorizar sempre, como podendo ser favoráveis ou desfavoráveis e interferindo na pessoa como um todo e na sua de saúde.
• Para o enquadramento global da pessoa, tem importância a sua espiritualidade, entendida no sentido de sentimento de pertença a uma ordem universal, seja ou não modelada por orientações de determinada religião e respectiva prática, conferindo relativização e confiança em relação à vida e aos acontecimentos. Em comparação com as que a vivenciam, terão menor resiliência pessoas que não sentem espiritualidade.

A vulnerabilidade global de uma pessoa, em determinado momento, resulta do efeito cumulativo das vulnerabilidades devidas ao estado desfavorável de diversos factores biológicos e psicossociais. A valorização da vulnerabilidade global de uma pessoa é indispensável na actuação clínica em pessoas idosas, tanto em seguimento regular como em situações de doença aguda.

2. Particularidades da vulnerabilidade nas pessoas idosas com COVID-19

2.1.Dados conhecidos
Dos dados divulgados sobre a COVID-19, podemos constatar que a vulnerabilidade descrita está associada a fatores próprios de uma doença aguda em pessoas idosas, no entanto, a COVID-19 apresenta elevada gravidade perante factores de vulnerabilidade comuns nas doenças agudas.

Aos factores previamente elencados, esta doença acrescenta uma particularidade atualmente inultrapassável. A falta de imunização para a COVID-19, como a que é recomendada para a gripe sazonal, expõe as vulnerabilidades existentes sem a possibilidade de serem minoradas pelo desenvolvimento de defesas.

Designadamente, na COVID-19:
• Em relação à idade, verifica-se uma maior frequência de formas graves da doença e da mortalidade global nas faixas etárias mais velhas (1,2);
• Quanto ao sexo, tem também sido demonstrado que o sexo masculino predomina nos casos graves e fatais da doença (2,3);
• Sobre a morbilidade e a influência de doenças crónicas pré-existentes no prognóstico das pessoas idosas infectadas com esta doença, as comorbilidades mais frequentemente encontradas são a hipertensão arterial e outras entidades cardiovasculares, a diabetes mellitus e a patologia respiratória crónica (2,4), as quais contribuem para maior vulnerabilidade a formas graves da doença (4);
• No âmbito psicossocial, o impacto das medidas de distanciamento social implementadas no actual contexto pandémico, com isolamento adicional dos mais velhos e empobrecendo a sua rede de suporte social, poderá desencadear ou agravar condições psicopatológicas, estando descritos o aparecimento de efeitos psicológicos negativos das medidas de distanciamento social como confusão, raiva, ansiedade, frustração, aborrecimento, medo de contrair a infecção e estigma, que poderão ser duradouros (5).


2.2.Dados subestimados?
A vulnerabilidade global de uma pessoa, resultante de um conjunto extenso de factores, tem uma influência que parece estar a ser subestimada na constatação da gravidade da COVID-19 em pessoas idosas.
Terão influência importante, direta e cumulativa, a presença de fragilidade biológica e de multimorbilidade. Ainda, outros factores de âmbito biológico, como a possível paucidade de manifestações da própria doença já instalada, a presença prévia de dependência ou incapacidade funcional, a eventualidade de uma alimentação inadequada, sedentarismo, tabagismo, etilismo, ou consumo de outras substâncias psicoactivas e sono não reparador, devem ser pesquisados e, se possível, compensados.
A identificação da eventual desfavorabilidade de factores de âmbito social contribuirá para a consolidação da visão global pretendida. Aos factores isolamento, falta de informação e dificuldades económicas previamente elencados, sobressaiu com a COVID-19 a residência em equipamentos sociais. A sua expressão, de gravidade extrema, dever-se-á à presença de muitos dos factores supramencionados, acrescidos da dificuldade em se proporcionar o distanciamento físico necessário em situação de doença aguda infecciosa altamente contagiante.
Ainda, a vivência de espiritualidade poderá constituir uma informação complementar sobre a visão holística da pessoa, a integrar num plano de intervenção.

Concluímos considerando que, no sentido de minorar a gravidade da COVID-19 em pessoas idosas, é da maior importância fazer uma boa estimativa da sua vulnerabilidade, mediante a valorização e intervenção nos fatores biológicos e psicossociais que, cumulativamente as vulnerabilizam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.
Liu K, Chen Y, Lin R, Han K. Clinical features of COVID-19 in elderly patients: A comparison with young and middle-aged patients. J Infect. 2020 Mar 27. pii: S0163-4453(20)30116-X. doi: 10.1016/j.jinf.2020.03.005. [Epub ahead of print] Review. PubMed PMID: 32171866; PubMed Central PMCID: PMC7102640.
2. Wu C, Chen X, Cai Y, Xia J, Zhou X, Xu S, Huang H, Zhang L, Zhou X, Du C, Zhang Y, Song J, Wang S, Chao Y, Yang Z, Xu J, Zhou X, Chen D, Xiong W, Xu L, Zhou F, Jiang J, Bai C, Zheng J, Song Y. Risk Factors Associated With Acute Respiratory Distress Syndrome and Death in Patients With Coronavirus Disease 2019 Pneumonia in Wuhan, China. JAMA Intern Med. 2020 Mar 13. doi: 10.1001/jamainternmed.2020.0994. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 32167524; PubMed Central PMCID: PMC7070509.
3. Du Y, Tu L, Zhu P, Mu M, Wang R, Yang P, Wang X, Hu C, Ping R, Hu P, Li T, Cao F, Chang C, Hu Q, Jin Y, Xu G. Clinical Features of 85 Fatal Cases of COVID-19 from Wuhan: A Retrospective Observational Study. Am J Respir Crit Care Med. 2020 Apr 3. doi: 10.1164/rccm.202003- 0543OC. [Epub ahead of print] PubMed PMID:32242738.
4. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, Ji R, Wang H, Wang Y, Zhou Y. Prevalence of comorbidities in the novel Wuhan coronavirus (COVID-19) infection: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020 Mar 12. pii: S1201-9712(20)30136-3. doi: 10.1016/j.ijid.2020.03.017. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 32173574.
5. Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, Rubin GJ. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020 Mar 14;395(10227):912-920. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30460-8. Epub 2020 Feb 26. Review. PubMed PMID: 32112714; PubMed Central PMCID: PMC7158942.

*Artigo disponível em nms.unl.pt

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