6 jun 2020
Inês Mataˡ, Ana Rita Goes², Maria de Fátima Bizarra³
ˡ Higienista oral, mestranda (2018-2020) em Promoção da Saúde da ENSP-NOVA
² Professora da ENSP-NOVA, coordenadora adjunta do Mestrado de Promoção da Saúde
³ Professora da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa
A presente pandemia pelo vírus SARS-CoV-2 desafiou o mundo inteiro, transformando as nossas rotinas e interferindo com as formas habituais de gerir o nosso dia a dia. Além das medidas preventivas preconizadas para a prevenção e controlo da infeção por SARS-CoV-2, tem sido salientada a importância de investirmos noutras medidas de promoção da saúde, como a alimentação e a atividade física.
Constituindo a saúde oral parte integrante da saúde geral, a manutenção das rotinas diárias de higiene oral constitui também uma preocupação. O presente texto constitui uma breve reflexão sobre a evidência referente ao papel da higiene oral na doença por covid-19, tendo especial foco num grupo vulnerável da população: as pessoas institucionalizadas. Adicionalmente, são sistematizadas algumas recomendações para a realização da higiene oral nas instituições.
Covid-19 e saúde oral
Como se sabe, a covid-19 é de origem viral, no entanto, suspeita-se que em formas mais severas da infecção, exista uma ação bacteriana que, pode aumentar a hipótese de complicações, tais como, pneumonia, síndrome respiratório grave agudo, choque séptico ou morte.(8)
Tem sido defendido que a mucosa da língua é um dos locais iniciais onde pode ocorrer a entrada do vírus e a partir da qual pode existir uma alteração da flora orofaríngea pela presença de microrganismos virulentos, em casos em que existe uma má higiene oral.(1,2) Isto pode traduzir-se num agravamento de patologias orais e consequentemente, aumentar o risco de desenvolver infeções respiratórias pelo transporte destes microrganismos até aos pulmões. Nesse sentido, é importante manter uma boa saúde oral.(6)
Pessoas institucionalizadas, saúde oral e covid-19
No contexto atual em que vivemos, as populações previamente vulneráveis passaram a ter uma necessidade acrescida de serem protegidas. Em Portugal, a população é maioritariamente envelhecida, existindo um grande número de pessoas com necessidades especiais que se encontram institucionalizadas. Esta é uma população de risco principalmente pelas patologias crónicas associadas, como por exemplo, diabetes, hipertensão arterial, doença cardiovascular, doença pulmonar obstrutiva crónica, entre outras.(8,10)
As pessoas com necessidades especiais institucionalizadas estão dependentes dos cuidadores para todas as rotinas do seu dia a dia, principalmente se não tiverem autonomia para a realização das mesmas.(5) Em instituições com maior número de utentes ou com utentes que sejam mais dependentes, é habitual que a higiene oral seja por vezes descurada.
Esta é uma população com maior prevalência de problemas orais, tais como, cárie dentária e doença periodontal. (5) Por terem níveis de colonização oral mais elevados associados a infeções respiratórias, são uma população de risco para o desenvolvimento de complicações severas em caso de infeção por covid-19.(1,2,5,8)
Higiene oral nas instituições em tempos de pandemia
Apesar de esta ser uma fase complicada para todos, as instituições estão a atravessar uma época bastante difícil no Sabe o que os dentes podem dizer sobre a saúde?que diz respeito à gestão de recursos. Embora com uma menor disponibilidade de recursos humanos e, consequentemente, uma redução do tempo disponível para as rotinas de higiene diárias, é importante que os responsáveis das instituições estejam atentos e apostem num reforço da higiene oral das pessoas institucionalizadas. Nesse sentido, seria importante estabelecer um conjunto de medidas a serem adotadas pelos cuidadores, tais como(7,11):
- Uso de escova de dentes com cerdas macias e fio dentário (se possível) para remoção da placa bacteriana, 2-3 vezes por dia, durante 2 minutos;
- Os cuidados de higiene oral devem ser complementados com bochecho de iodopovidona (betadine) solução oral ou peróxido de hidrogénio (água oxigenada);
- Não partilhar escovas de dentes que devem ser arrumadas em separado, nos casos em que a casa de banho é partilhada;
- No caso de pessoas acamadas com dificuldade ou incapacidade em bochechar, deve ser utilizada uma taça descartável para que as mesmas possam cuspir. O cuidador deve posicionar-se sempre de lado ou atrás da pessoa;
- No caso de pessoas com próteses removíveis — a prótese deve ser removida para higienização da mesma. Deve ser utilizada escova dura para limpeza da prótese e gaze embebida em solução oral de iodopovidona (betadine solução oral) ou peróxido de hidrogénio (água oxigenada) para higienização das mucosas. Complementar com um bochecho com elixir de clorohexidina 0,12%;
- Primar por uma alimentação saudável, evitando alimentos pastosos e tendencialmente mais cariogénicos.
No caso de doença ativa por covid-19:
- Durante o período de doença ativa, após a escovagem de dentes, a escova deve ser mergulhada numa solução de hipoclorito de sódio (lixívia) a 0,05% (0,5 ml de lixívia para 1 litro de água), durante 30 minutos. Enxaguar muito bem e deixar secar até à próxima escovagem;
- Durante o período de doença ou suspeita, não deve partilhar a casa de banho, objetos pessoais ou toalhas;
- Após alta, a escova de dentes deve ser trocada.
Embora já existissem protocolos nas instituições nos quais eram definidos os equipamentos de proteção individual a utilizar para as rotinas de higiene diárias, nesta fase é importante que exista um reforço dos cuidados para a realização de higiene oral das pessoas institucionalizadas, principalmente se forem casos suspeitos ou positivos de covid-19 em isolamento, tais como(7,10):
- Utilização de máscara obrigatória para todos os cuidadores;
- Avental descartável sobre a roupa/farda de uso profissional;
- Óculos ou viseira;
- Calçado usado apenas na instituição que não venha do exterior;
- Luvas – devem ser removidas e trocadas após o contacto com cada pessoa.
Como preconizado pela DGS, é importante que a lavagem das mãos seja feita corretamente, pelo menos durante 20 segundos. No que diz respeito a esta rotina, deve ser feita antes de colocar as luvas, logo após a realização da higiene oral de cada pessoa. Todos os equipamentos de proteção individual e materiais descartáveis devem ser depositados nos contentores de lixo contaminado (Tipo III ou IV), sendo que a lavagem das mãos deve ser realizada após remoção dos mesmos. (10)
Comentários finais
Apesar de se verificar uma escassez de evidência disponível sobre o papel da higiene oral na doença por covid-19, é importante que pequenos gestos que são essenciais para a saúde sejam reforçados principalmente nesta fase. Manter uma rotina de higiene oral eficaz, considerando os cuidados adicionais recomendados, é um comportamento essencial, que pode proteger as pessoas mais vulneráveis dos efeitos mais severos desta doença.
Bibliografia:
1. El-Solh AA. Association between pneumonia and oral care in nursing home residents. Lung. 2011;189(3):173–80.
2. Mylotte JM. Will Maintenance of Oral Hygiene in Nursing Home Residents Prevent Pneumonia? J Am Geriatr Soc. 2018;66(3):590–4.
3. Pini D de M, Fröhlich PCGR, Rigo L. Oral health evaluation in special needs individuals. Einstein (Sao Paulo). 2016;14(4):501–7.
4. Queiroz F de S, Rodrigues MML de F, Cordeiro Junior GA, Oliveira A de B, Oliveira JD de, Almeida ER de. Avaliação das condições de saúde bucal de Portadores de Necessidades Especiais. Rev Odontol da UNESP [Internet]. 2014 Dec;43(6):396–401. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25772014000600396&lng=pt&tlng=pt
5. Esteves M, Mendes S, Bernardo M. Estado de saúde oral duma população institucionalizada com deficiência profunda. Rev Port Estomatol Med Dentária e Cir Maxilofac [Internet]. 2017 Nov 17;58(3):250–3. Available from: http://revista.spemd.pt/article/133
6. Scannapieco FA, Shay K. Oral Health Disparities in Older Adults. Dent Clin North Am [Internet]. 2014 Oct;58(4):771–82. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.cden.2014.06.005
7. Public Health England. Mouthcare for patients with COVID-19 or suspected COVID-19. p. 5–7.
8. Sampson V. Oral hygiene risk factor. Br Dent J. 2020;228(8):569.
9. Hansjee D. Reduce the risk of ventilator-associated pneumonia with robust oral hygiene [Internet]. Nursing Times. 2020 [cited 2020 May 5]. Available from: https://www.nursingtimes.net/opinion/reduce-the-risk-of-ventilator-associated-pneumonia-with-robust-oral-hygiene-28-04-2020/
10. Direção Geral da Saúde. Guias para Instituições [Internet]. Serviço Nacional de Saúde. 2020 [cited 2020 May 5]. Available from: https://covid19.min-saude.pt/guias-para-instituicoes/
11. Direção-Geral da Saúde. Materiais de Divulgação [Internet]. Serviço Nacional de Saúde. 2020 [cited 2020 May 12]. Available from: https://covid19.min-saude.pt/materiais-de-divulgacao/
*Artigo publicado na Saúde Oral
*Artigo disponível em ensp.unl.pt
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