7 jul 2020
Pedro Pita Barros
Professor Catedrático da Nova SBE, Universidade NOVA de Lisboa
Tem ganho destaque nos últimos tempos o crescimento do número de casos de COVID-19 na zona de Lisboa. Diversas explicações têm sido avançadas, mas sem haver ainda uma clara definição do que está por detrás desse crescimento. Considerando o período desde 11 de maio (uma semana depois do início do processo de reabertura da sociedade e da economia), verifica-se a regularidade de um crescimento linear do número de novos casos. É um crescimento pequeno, quando visto em média diária de acréscimo, mas persistente. Ao fim de 7 semanas já quase duplicou o número de novos casos (por dia) em média. Não sendo ainda uma situação de emergência, é claramente uma evolução que se torna necessário travar.
Embora seja fácil argumentar que foi um desconfinamento demasiado rápido, os números de mobilidade indicam que o retomar da atividade normal em termos de deslocações até estar a ser mais lenta na zona de Lisboa do que no resto do país, em todas as categorias de mobilidade, incluindo lazer e praias e parques, por um lado, e deslocações mais ligadas a atividade profissional, por outro lado.
Estes números corroboram de algum modo as preocupações com as condições de vida (habitação e deslocações para o emprego) da população residentes nas zonas que mais têm contribuído para este crescimento (e que foram sujeitas a medidas adicionais de restrição de mobilidade).
Tentando sistematizar:
- O número de novos casos em áreas específicas da zona de Lisboa tem tido um crescimento linear nas últimas 7 semanas (ver figura abaixo).
- O número de novos casos no resto do país tem sido baixo, mas constante, praticamente sem crescimento, e caracterizado sobretudo por surtos (o que significa que a maior parte do país está sem sobressalto).
- Número de doentes internados e doentes internados em UCI baixou muito até ao início do Junho, voltou a subir devagar a partir daí (consequência de estar a ocorrer um crescimento lento, mas persistente, de novos casos diários) (ver figuras no final).
- A pressão sobre os hospitais da zona de Lisboa está a subir e a fazer-se sentir com notícias sobre a necessidade de coordenação para partilha de esforços.
- Na zona de Lisboa, quase duas dezenas de freguesias voltaram a ter medidas mais apertadas; deslocações para trabalho continuam a ser possíveis.
- Com o aumento do número de infetados (os novos casos estão a crescer mais rapidamente que o número de pessoas que deixa de estar infetada), há a necessidade de recursos humanos para seguimento de linhas de contágio, uma necessidade previsível desde o início do processo de abertura. Aparenta não ter sido feito, se atendermos a declarações que têm sido feitos pelo presidente da associação nacional de médicos de saúde pública.
- A realização de testes para encontrar quem esteja infetado mesmo que não apresente (ainda) sintomas não tem sido um problema.
- Quando se fala da zona de Lisboa e se olha para o padrão de mobilidade das últimas semanas, disponibilizado pela Google, vê-se que o problema não tem sido o aumento dessa mobilidade, que foi menor na região de Lisboa do que no resto do país. Não foi também uma questão de surtos pontuais muito volumosos. (figuras abaixo)
- A pressão política está a aumentar sobre o Governo, sendo que a aposta na fase final da Liga dos Campeões e alguma outra comunicação menos bem conseguida conseguiram gerar confusão desnecessária, que acresce à pressão dos números.
- Olhando para a experiência de outros países, e dada a disseminação da COVID-19 em países com os quais temos ligações aéreas frequentes (com a frequência que o tempo atual deixa), é necessário ter um controle apertado à entrada, para encontrar e isolar os casos importados (a questão não é se vão existir, e sim se vão ser encontrados a tempo de evitar propagação interna). Quando se fala em abrir novamente ao turismo, este é um aspeto fulcral, para segurança de quem cá está e de quem vem.
- Neste momento, tão importante como assegurar que existem os meios humanos e técnicos necessários, bem como a rapidez de decisão na intervenção, é necessário sentir que não há fadiga governamental.
- Há que definir rapidamente estratégias que permitam quebrar as cadeias de contágio mais cedo. Para isso, é preciso haver conhecimento atempado dos processos de contágio (o que tem sido menos bem conseguido) e intervenção rápida das autoridades de saúde, depois de detetados casos (o que tem sucedido).
- Para onde olhar? Para onde já se tinha identificado que poderiam surgir problemas – transportes públicos, capacidade de isolamento em contexto de habitação conjunta, grupos difíceis de rastrear, como imigrantes a trabalhar em obras ou serviços onde a informalidade lhes permite laborar. Perceber como é que a combinação de vários destes fatores faz com que haja problemas na zona de Lisboa mas não noutras zonas do país onde as mesmas atividades também estão presentes.
- Uma palavra final para a tensão política em crescendo e que aparenta, segundo alguns relatos, ter envolvido também alguma tensão com a equipa técnica de apoio. Não é claro o que se passou, mas na verdade é mais importante o que venha a passar. Parece-me que será útil ter reuniões fechadas em que os membros do Governo, com a responsabilidade da decisão política, possam discutir livremente com os técnicos, sem receio de que essa discussão seja transformada em instrumento de luta política. E só depois haver as reuniões técnicas mais abertas (mas onde já não deverá ser o Governo a colocar as suas questões e dúvidas). Será também útil que o trabalho técnico de suporte tenha uma apreciação crítica interna, também ela reservada de forma a garantir que é gerado o melhor conhecimento para a decisão política. No contexto político em que começa a emergir nos últimos dias, o modelo atual de reuniões no Infarmed estará provavelmente esgotado e será repensado.
*Artigo publicado no blogue Momentos Económicos