Idosos confinados – para que a emenda não venha pior que o soneto

9 mar 2021

Jaime C. Branco e Helena Canhão
NOVA Medical School

É sabido que Portugal, em Fevereiro de 2020, tinha uma das populações mais envelhecidas da Europa. E que os nossos idosos, apesar de viveram tantos anos como os que residiam no Norte da Europa, apresentavam piores índices de bem-estar nos últimos anos de vida.

Os níveis de transmissibilidade e alta gravidade causada pela infeção pelo vírus SARS COV2 tornaram evidente a necessidade de confinamento e distanciamento social para todos, com especial relevância nos idosos. Para os protegermos, diminuímos as interações familiares. Passámos a fazer-lhes as compras, visitas mais curtas, insistimos para que não saiam de casa. Medidas fundamentais para os proteger de um vírus que, com grande probabilidade, infetando-os, pode causar uma doença grave e até a morte.

Mas estas medidas também têm custos. Os adultos com vida profissional ativa, mesmo alterando os hábitos, continuaram a interagir com os colegas de trabalho, a cuidar dos filhos e mantiveram outras atividades, como ir às compras e fazer caminhadas. E a grande maioria tem telemóveis, tablets ou computadores que lhes permitem estarem ligados online com amigos e familiares. Para os idosos, o acesso às tecnologias é, de uma forma geral, menor. A ansiedade de poder adoecer com doença grave é grande e o impacto da solidão é muito maior. Além das perturbações no seu humor e estado mental, o confinamento também trouxe um aumento generalizado do sedentarismo e da inatividade física. Para os idosos, a diminuição da atividade tem repercussões muito graves no sistema músculo-esquelético e na saúde física. Regista-se perda da massa muscular e, consequentemente, perda da força e função musculares, perda da massa óssea, diminuição do equilíbrio, redução dos reflexos, aumento da dor e rigidez músculo-esqueléticas, maior propensão para quedas e fraturas. Estes fatores causam aumento da incapacidade, perda de autonomia e maior dependência de terceiros.

Concomitantemente, regista-se, muitas vezes, diminuição da capacidade cognitiva, dificuldades no autocuidado e na autogestão das doenças, com consequente diminuição da adesão à terapêutica e descompensação de outras doenças crónicas.

Sabemos que o confinamento nos idosos é fundamental e que, pelo menos até estarem protegidos por uma vacina, é a melhor solução que se lhes pode oferecer, neste contexto pandémico. Mas temos de evitar que a boa solução seja o seu maior problema. Com o confinamento, muitos idosos nunca mais vão voltar aos níveis de funcionalidade que tinham antes da pandemia. Se o confinamento permitirá que a maioria sobreviva a esta crise, temos de tomar medidas para que os anos de vida ganhos sejam vividos com qualidade e autonomia.

Nós todos, enquanto sociedade, devemos agir e promover a saúde, a qualidade de vida e a independência dos idosos. Temos de encontrar estratégias para diminuir a solidão, mantendo o distanciamento social e a segurança. Promover bons níveis de higiene, nutrição, atividade física e treino cognitivo. Apoiar o controlo das suas doenças crónicas, através de uma cooperação estreita e eficiente, entre os setores público, privado e social da Saúde, com recurso a consultas presenciais ou a distância e ao envio eletrónico das receitas e de exames complementares de diagnóstico necessários.

Tudo isto é o mínimo que podemos fazer para evitar que o confinamento dos nossos idosos nos traga uma incontrolável vaga de ainda maior sofrimento pessoal, familiar e social.

*Artigo publicado no Expresso