O que as máscaras nos dizem desta Pandemia

8 abr 2020

José Fragata
Cirurgião Cardiotorácico
Vice-Reitor da Universidade NOVA de Lisboa
Professor Catedrático da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas

Portugal tem estado bem na luta contra a COVID-19. Isso é reconhecido, por comparação com o que se passa globalmente, e admitido pelas autoridades, mas também pelos cidadãos. Portugal tem sido bem-comportado e serve de exemplo, seja pela adoção razoavelmente atempada das medidas de restrição, seja pelo acatamento das limitações impostas pelo estado de emergência.Vemos em todos os telejornais comparações com o que fizeram de mal os outros países, quer pela ocultação inicial da verdadeira gravidade da pandemia, quer por terem reagido tardiamente, quer ainda pelo endurecimento pouco musculado das restrições impostas. Talvez devêssemos olhar também para aquilo que fizeram bem alguns países que têm hoje a pandemia razoavelmente controlada. Se pensarmos na Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, Vietname, China e República Checa, identificamos algumas linhas comuns: a precocidade na ação, a extrema disciplina relativamente a medidas de isolamento social e o uso obrigatório de máscaras.

Sobre a precocidade na ação, não tendo sido os melhores, fomos, contudo, suficientemente rápidos.
Sobre a disciplina no acatamento das medidas impostas, há que ponderar que as culturas europeia e oriental são muito diferentes, sem esquecer que estes países asiáticos tinham a experiência prévia de várias epidemias, a mais recente e perigosa a do SARS, em 2003. Daqui resultou uma aprendizagem comum e uma capacidade resiliente, que terão agora sido utilizadas para a COVID-19, adotando as medidas necessárias, sem perdas de tempo e indefinições na ação.

Na Coreia do Sul, a deteção precoce de indivíduos clinicamente doentes, usando postos médicos auto-drive, que permitiu isolar pessoas em fase precoce e reduzir o contágio, terá sido uma das medidas mais importantes, enquanto em Singapura e em Taiwan imperaram medidas estritas de quarentena e de isolamento. Depois, também a elevada consciência cívica destas populosas comunidades, mais habituadas do que as ocidentais a acatar os mandatos de interesse da maioria, com sacrifício frequente da sua própria autonomia individual.

Mas tomemos o único fator comum a todos estes países com histórias COVID-19 de sucesso: o uso de máscaras. Na Europa, a República Checa, desde logo, tornou obrigatório o uso de máscara, para reduzir o risco de contágio comunitário, a Áustria já o fez para recintos populosos. Portugal ainda não. E digo ainda não porque o fará, estou convencido, muito em breve.

Importará refletir sobre o porquê de tal não ter acontecido até agora. Talvez porque a OMS, que tem ditado as orientações imediatas para o combate à pandemia, nunca tenha recomendado, como devia, o uso generalizado de máscaras, circunscrevendo-o a pessoas doentes e com elevado risco, em caso de infecção, assumindo-as como medida de autoproteção. Mas o que dizer do papel fundamental das máscaras no reduzir do contágio pela propagação do vírus? Este vírus propaga-se por gotículas pesadas de saliva, que viajam até cerca de um metro de distância, mas também o faz por micropartículas, que ficam no ar em suspensão, após serem emitidas por doentes infetados. Ora, facilmente se perceberá que, se o indivíduo doente e o indivíduo saudável usarem ambos máscara, o risco de contaminação e de propagação reduzir-se-á substancialmente.

Como cirurgião, utilizador frequente de máscaras para proteger os doentes dos meus próprios agentes contaminadores, e certamente pouco conhecedor de epidemiologia, parece-me intuitivo que o uso adequado de uma máscara criará uma barreira adicional à propagação de vírus, dificultando-a.

O uso de máscaras não é uma medida que dispense todas as restantes ou que, ao ser tomada, infunde um falso sentido de segurança que leve a preterir todas as demais. Pelo contrário, consciencializaria todos para a responsabilidade ativa pela sua própria proteção e pela do outro.

Esta pandemia trará inúmeros ensinamentos. Um deles será que o seguimento cego de normas de orientação, mesmo provindas das mais respeitáveis organizações, como a OMS, é, por vezes, desajustado das realidades locais. Os médicos sabem bem isso, quando temperam frequentemente a pressão para o uso cego das guidelines clínicas com o bom senso da decisão individualizada a cada doente.

Posicionemo-nos, mais uma vez, na linha da frente do combate a esta terrível pandemia, aprendendo com o sucesso dos outros e passando a usar, de agora em diante, uma simples máscara.