26 mai 2020
Francisco d´Oliveira Martins
Assistente Graduado Sénior de Cirurgia – CHULC
Professor da NMS|FCM, Universidade NOVA de Lisboa
A actual Pandemia a ‘COVID’ veio criar necessidades de saúde pública para conter a doença e evitar a sua explosão na população.
Em tempo de ausência de terapêutica dirigida eficaz, e de imunização adequada, o confinamento social é porventura a medida mais segura para controlar a disseminação da doença. No entanto este isolamento obrigatório está a condicionar um novo paradigma social e porventura uma nova doença, ou talvez uma nova pandemia, mas esta, com expressão social, económica, psicológica, política e também de comunicação.(1)
Perante esta adversidade a Universidade para manter a formação dos seus alunos, tentando minimizar os danos optou, e bem, sem perda de tempo, pelo ensino à distância recorrendo a plataformas informáticas de comunicação já existentes.(2) O ensino “on line” apesar de não ser uma replica à distância do ensino presencial em sala de aulas, pode comportar-se como uma alternativa válida. No entanto é diferente o tele ensino em áreas do conhecimento dominantemente teóricas, do ensino de áreas do saber em que o componente teórico-prático e prático tem um peso determinante, como se observa no ensino das cadeiras clínicas do curso de Medicina.
Se esta é uma limitação do ensino à distância a outra limitação pode ter a ver com a comunicação e interacção pessoal. Não nos podemos esquecer que a Universidade não é um local exclusivo de ensino mas antes um local dominante de aprendizagem. A Universidade tem de ser um local de encontro, sendo uma plataforma para a construção e transmissão do conhecimento baseado na informação. O suporte deste processo é a comunicação e a criação de redes de conhecimento.
Porventura o confinamento social de alunos e professores tem o risco de condicionar isolamento ‘autista’ principalmente se o modelo de ensino se limitar a lições pré-gravadas que podem ser acedidas quando o aluno quiser. Penso que este modelo tem limitações pedagógicas e que a alternativa serão aulas em directo e com componente interativo sempre que possível, mas mantendo uma dinâmica em tempo real usando plataformas como ‘Zoom-Colibri’ ou ‘Micro-Soft Teams’. Mas a questão dominante põe-se como organizar uma aula teórico-prática ou prática ‘on-line’ de um curso de Medicina, principalmente quando é necessário ‘Fazer’.
A ponte do cognitivo para o psico-motor é a essência do ‘Esse Percipit’ , a essência do ‘Fazer’ e da ‘Razão’. A” Razão” obriga-nos a: Saber porque se ‘Faz’; Saber como se ‘Faz’; Saber ‘Fazer’ bem; Saber os riscos do ‘Fazer’; Saber como tratar as complicações do ‘Fazer’; e por fim sabermos questionarmo-nos se valeu a pena ‘Fazer’. É importante a transmissão da noção de que tudo o que fazemos tem riscos, tem potencial de morbilidade, e mesmos nas situações em que essa morbilidade é baixa percentualmente, para aquele nosso doente singular em que pode acontecer uma complicação, para ele a taxa percentual foi 100%!!
Devemos voltar ao velho princípio Hipocrático que nos deve guiar de ‘Primum non nocere’. Não podemos nem devemos esquecer-nos que a racionalização do acto é tão importante como o acto em si. Podemos adaptar a frase de Bernard Shaw ’Quem sabe fazer, faz. Quem sabe explicar porque se faz e como se faz, deve Ensinar’.
As aulas praticas ‘on line’ devem também mostrar em vídeo a execução de procedimentos em detalhe, preparando para os degraus subsequentes que implicam: Ver fazer; Fazer em simulação; E o fazer sob supervisão.(3) A simulação e o fazer sob supervisão são as grandes limitações do ensino a distância. Não nos devemos esquecer da mais valia que é para o ensino, o acesso ao laboratório de gestos e procedimentos, complemento da aprendizagem do ‘Fazer’.
O outro componente das aulas teórico-práticas e praticas deve basear-se na resolução de problemas e como lidar com eles. No conceito do ensino aprendizagem o Professor é um Orientador/ Tutor na procura de respostas a questões postas pelos próprios alunos. São os princípios da aprendizagem em que a formação assenta nas necessidades percebidas pelos próprios alunos.(4)
Neste conceito de Ensino-Aprendizagem baseado na resolução de problemas, tenho nas minhas aulas praticas ‘on line’ apresentado casos clínicos, muitos ainda não completamente resolvidos, em que os alunos mais do que colaborarem, cooperam na resolução de problemas reais não me limitando à utilização de meros cenários virtuais. Os casos são seguidos dia a dia, em tempo real, são casos reais. Simultaneamente são feitos seminários e apresentações relacionadas com as áreas em questão. Muitas destas apresentações são feitas pelos próprios alunos sendo os próprios, convidados a comentar essas apresentações, comentários finais e síntese feita pelo Professor/Tutor.
Claro que esta Metodologia Pedagógica é mais exigente. O Professor / Orientador é também posto à prova pela possibilidade de errar. É também um exercício da prática da humildade, que deve ser cultivado na nossa prática clínica diária e que deve ser transmitida aos nossos alunos. Voltamos ao tempo da Grécia Antiga, no tempo de Sócrates, em que o verdadeiro Mestre, é um facilitador no método da aprendizagem e construção do conhecimento. Não nos devemos esquecer que Sócrates falava do método da Parteira, lembrando a profissão da sua mãe. A Escola transforma-se num verdadeiro local de disponibilidade ‘Scholè’ local de ‘Ócio’.(5)
Disponibilidade para a verdadeira aprendizagem. Neste novo paradigma do Ensino-Aprendizagem, na procura de respostas a questões colocadas(6), os alunos podem recorrer a plataformas sociais do conhecimento Médico, no fundo um Fórum alargado de discussão. É a verdadeira Universidade sem paredes para o exterior. Cada vez mais as novas tecnologias moveis serão utilizadas em saúde, desde a aprendizagem à pratica clínica diária.
A troca de informação é o suporte da construção do que se aprende sendo mais uma via para passar da informação ao conhecimento. Provavelmente no dia pós-COVID o regresso à normalidade vai ser diferente. Seguramente a Escola será diferente assim como a Sociedade, a Economia, a Política.
O espectro da eventual recorrência, da eventual segunda onda, da situação semelhante, obriga-nos a prever e prevenir essas necessidades de confinamento social. A comunicação ‘on line’ com os nossos alunos vai fazer parte da nossa prática diária sendo um adjuvante e um complemento aditivo ao ensino presencial, não agora por obrigação e necessidade, mas por ser um útil complemento formativo.
As plataformas sociais do Conhecimento Médico serão uma realidade na nossa prática diária. O conceito do Ensino-Aprendizagem é a base da Escola. O conhecimento alicerçado na resolução de problemas será a ferramenta base da construção e aprendizagem do Saber Médico.
Esta actual crise será porventura uma oportunidade para a renovação da comunicação e construção de uma Nova/ Velha ‘Scholè’ verdadeiro local de ‘Disponibilidade’ para a construção do ‘Conhecimento’ a caminho da ‘Sabedoria’.
Referências
1 – Matos Silva, S – ‘O ensino Universitário em tempos de isolamento’, Público – Abril 2020.
2 – Lucena, CAP; Mont´ Alvão, CR; Frajohof , L – ‘Collaborative learning platform in the field of Telemedicine’, International Journal on Computer Science and Information System. IADIS. International Conference e-health, 2012.
3 – Rosado Pinto, P – ‘Aprendizagem por analise e resolução de problemas pedagógicos e estratégias de formação’ Educação Médica. 1993, 9: 10-17.
4 – Knowles, M – ‘Adult Learner’, A Negleted species. Houston Gulf. 1984.
5 – Oliveira Martins, G – ‘Ao Entrar numa Escola’ (www.leyaeducação.com).
6 – Rendas, AB Rosado Pinto, P ; Gamboa, T. ‘O método de aprendizagem por problemas (A P P) aplicado ao Ensino Médico’ 1ª Parte, Reflexões sobre o método como estratégia de inovação, Educação Médica, vol.8 (1) .1997: 17 – 35.